sábado, 24 de novembro de 2007

O amor começa*

O amor começa porque um dia já acabou. Basta um olhar cruzado, um toque de mãos, um abraço apertado e um beijo roubado para que o amor regresse; na escola, numa danceteria, em um bar, no supermercado, na sorveteria, no cinema, em um jogo de basquete, durante o trabalho, em qualquer lugar o amor nasce; é com carinho, abraço, palavras escritas e ditas, músicas, conselhos, incentivo, flores, presentes, perfumes, camas e lençóis; e-mails, bilhetes, SMS e fotos que ele cresce, vive e se fortalece; começa porque devia, porque não devia, como não se queria, depois de se ter pensado, planejado e sonhado; acontece de manhã, de tarde, de noite, durante a madrugada, depois de um encontro ou antes dele, por causa de um e-mail, de um telefonema dado ou um casaco esquecido; dura muito, pouco, o suficiente, demais, ultrapassa as previsões, os limites, o esperado, o pretendido; pulsa em parques, nos shoppings, nos pátios dos colégios, entre as mãos dadas, durante os abraços, no cruzamento do olhares, em línguas que se tocam e em lençóis bagunçados depois do amor sorvido; o amor começa porque ele tem que chegar não importa em que época da vida seja e ele sempre vem pra balançar, pra bagunçar, pra estabelecer, pra ajeitar, pra consertar um coração quebrado ou um amante incorrigível; às vezes, o amor começa de forma proibida, entre primos, entre enteados e madrastas, entre professores e alunas, entre maridos e amantes, entre esposas e personal-treiners, entre patrão e empregado, entre amigos, entre vizinhos; pode acontecer com você a qualquer hora – se já não aconteceu -, com seu pai, sua mãe, seu professor, sua vizinha, sua amiga, sua irmã, sua sobrinha, seus filhos e netos; começa estrategicamente em uma armação adolescente, como se fosse uma aventura juntar duas pessoas que estão ali lado a lado na sala de aula, na busca frenética dos não amados em todas as noitadas, de segunda a sexta, porque o amor é artigo raro e todo querem provar o seu gosto; o amor pode começar sem querer, sem perceber, sem se entender, em um dia de semana de tarde, numa quinta ao amanhecer ou ao anoitecer de um domingo, enquanto os que já amam estão juntos e não se preocupam com nada mais do que sorver o que o amor lhes dá; o amor também começa em parágrafos mudos, com mãos trêmulas, pernas bambas, taquicardia, vergonha; ele chega mesmo em salas de esperas, em escritórios indefectíveis, com músicas bregas, em um elevador que parou dando tempo que os amantes se olhassem para que o amor notasse que era ali mesmo que ele devia estacionar; o amor começa em um luau na praia, no entardecer cinza da cidade e no amanhecer caipira do interior; o amor começa depois de uma batida de carro, em uma consulta médica, pois o amor sentencia seu começo, se impõe, se instala e não tem mais jeito por mais que algumas pessoas finjam que não, se enganem, disfarcem ou neguem, mas o brilho nos olhos entrega e aos poucos todos se rendem porque não vai mesmo ter jeito; então o amor recomeça já que um dia acabou e teve que voltar porque sem amor, - ah, sem ele – ninguém vive!



* homenagem contrária e adversa à Paulo Mendes Campos

3 comentários:

Dri disse...

Gostei dessa parte aqui, Didis:
"na busca frenética dos não amados em todas as noitadas"
(Lindo você escrevendo sobre o amor)

Rachel disse...

nossa Dri ... este texto é belíssimo ... eu lembro que li uma vez na Folinha e guardei aquela edição. Bom relê-lo novamente.
Bjs!

Unknown disse...

Chel, esse texto quem escreveu fui eu. O Paulo Mendes Campos escreveu O Amor Acaba.
Mas que bom que gostou.
Beijos