terça-feira, 7 de novembro de 2006

Observando

De uniforme azul marinho e pesadas botas pretas, ela estava sentada em um vagão da linha verde do metrô no final da tarde. Uma mala no colo e uma bolsa a tiracolo. Rosto marcado talvez pela idade, talvez pela vida ou quem sabe por ambos. O boné - também azul - escondia sua feição. E ao mesmo tempo que a roupa, o calçado e sua forma de sentar lhe conferiam uma aparência dura e masculinizada as tranças que saíam do seu boné lhe davam um ar jovial, quase infantil e descontraído.
Na estação Paraíso, quando adentrei o vagão, ela já estava sentada. Sentei ao seu lado e antes mesmo de chegar na próxima estação ela abriu a mala e tirou uma lata de dentro. Se esforçou e abriu esta embalagem e de dentro retirou uma noz. Sim, aquela semente típica do natal. Quebrou a casca de uma forma que lhe confirmavam a aparência dura e rude. Porém, com um ar maroto ofereceu-me seu alimento. Sorri, agradeci, mas recusei. Estávamos então paradas na estação Brigadeiro. Ela comeu, recolheu as cascas caídas sobre sua mala e guardou toda a sujeira na mesma lata em que antes havia retirado a semente. E quando saltou na estação Trianon-Masp pude conferir de onde era seu uniforme: SAMU 192. Serviço de Atendimento Móvel de Urgência.
E então dei asas ao meu pensamento: ela seria uma enfermeira, uma auxiliar, motorista, médica? Não consegui chegar a nenhuma conclusão. Estaria ela indo para o trabalho ou voltando para casa? E seu nome? Ela não tinha cara - e nem jeito - de Maria, nem de Ana, nem de Rita, nem de Cássia. Não consegui, desta vez, imaginar ou dar um nome à esta personagem que cruzou, ontem, meu caminho.

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